A Obra-Prima Inacabada

Em 1845, Balzac publicava sua célebre novela "A Obra-Prima Inacabada", onde um velho pintor do século 17, chamado Frenhofer, tentando produzir uma grande obra-prima, destrói a imagem com infinitas pinceladas que se sobrepõe e que resultam num borrão confuso.
Mas, dentro da nebulosa, percebia-se um pé, tão estupendo que parecia viver: "Aproximando-se, eles perceberam num canto da tela, um pé que saía desse caos de cores, de tons, de nuances indecisas, espécie de névoa sem forma; mas um pé delicioso, um pé vivo! Petrificaram-se de admiração diante desse fragmento escapado a uma lenta e progressiva destruição. Esse pé aparecia ali como um torso de alguma Vênus em mármore de Paros que surgisse por entre os escombros de uma cidade incendiada".
A ficção de Balzac exprime a nova sensibilidade diante dos fragmentos que escaparam "a uma lenta e progressiva destruição" e que, dessa maneira, compara-se aos achados arqueológicos: "Esse pé aparecia ali como um torso de alguma Vênus em mármore de Paros que surgisse por entre os escombros de uma cidade incendiada". Frenhofer termina por se suicidar, ao descobrir o engano ao qual levara sua loucura perfeccionista; mas a parábola pode ser lida pelo avesso: a loucura seria imaginar um todo possível. Ao invés da luxúria plena, o fetichismo da parte. Os tempos novos são antes pelo inacabado, e um pé vale um corpo. -- Jorge Coli; Folha de São Paulo, 02/06/2002



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